Cruel

O sofrimento da bailarina em sua ponta.
O desalinhar do corpo com o passar do tempo....

Essa é a definição da coreógrafa Débora Colker para a palavra cruel, que entitula seu novo espetáculo de dança contemporânea. Em tempos nos quais jogar cinco anos de vida pela janela é tão banal quanto noticiar isto, há quem diga que tudo é cruel. E é mesmo! A arte nos transporta à uma dolorosa reflexão quando, em um tablado, a marcação dos passos do artista, pisoteiam cérebros em pensamentos do tipo “ Como a minha vida deveria ser”, “A que lugares não pertenço”, “Que personagens figuram o meu espetáculo”.
A crueldade é inerente à vida. E se para Wilde ela imita a arte, para mim, a arte imita a vida, motivo pelo qual somos tão sensíveis às suas formas. Não é mera ficção os amores de novela perfeitos até quando não correspondidos, a facilidade com que se mata e a íntima ligação com os instrumentos “perigosos” retratada nos Thrillers e dramas psicológicos. É a busca humana por uma inatingível perfeição, ou por qualquer coisa inalcançável que sustente a “máquina” viva. São estímulos- respostas de um sistema, que de lógico só tem a explicação científica.

O sangue de um cantor viciado exposto pelo próprio, numa tela não é cruel. O noticiário da tv , toda a mídia e seu público, talvez sejam. Por mais de um mês alimentando-se do sangue da menina Isabella, que podia ser Gabriela, ou a garota propaganda da Vitarella... Ela morreu, mas isso não interessa, a foto dela passa todo dia no jornal, com os episódios da prisão dos suspeitos(o pai e a madrasta!); a soltura deles; o povo fazendo justiça com as próprias mãos e aparecendo na tv; a reconstituição do crime AO VIVO; a mãe sob suspeita por não dar entrevista; e a chamada para as cenas do próximo capítulo.

A vida não é dura? Na verdade nós, hommos ignnoblis que a complicamos, pelo fato de ignorar o que rege sobre todos os atos : a psique. Muito mais cruel do que matar ou morrer, é o que fica conosco após um ato cometido. A confissão desse crime seria como música para os ouvidos do povo. E, se no sentido denotativo a música liberta, nesse caso ela condenaria. Mas por que isso se faz tão necessário? Pois é o desfecho que falta para essa série, a sanção que faria jus à audiência do público que tanto assistiu quanto torceu para que o fim desse reality show fosse o mais cruel possível. Um registro lógico do que se sentiu a partir de um acontecimento. Um espetáculo, um crime, que para ser consumado envolveu uma gama elementos precedentes, como ocorre em toda relação entre seres ou entre seres e coisas.

Então, o que é Cruel? Pode ser mesmo o sofrimento da bailarina e o que a fez participar desse processo doloroso para atingir a posição correta; o amadurecimento de uma pessoa e sua tortura mental; o que faz alguém tirar a vida do outro; sentimentos de prazer e dor: amar, odiar, se machucar... A construção de uma coreografia, de um roteiro, uma pintura, uma letra de música ou, de uma personalidade.
É tudo que nos faz sentir e pensar.